sábado, 4 de abril de 2009

Aprendizagem

Tirei esse texto da Revista Nova Escola, do mês de março desse ano.
Essa revista tem uma seção chamada "Era uma vez" e eu adoro, são contos para ler com os alunos, um mais lindinho que o outro, vou selecionando os meus preferidos e aos poucos vou postando para vocês.


– Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer?
– Hã?
– Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo?
– Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha. A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas.
– Todo dia, mãe?
– É, só que a gente não repara.
– Por quê?
– Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha? A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder.
– Você é muito ocupada, não é, mãe?
– Hã?
– Nada, não. A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário. Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto. "Nada, não cresceu nada", ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana! Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis.
– Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer?
– Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não, criatura? Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder. A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda.
– Mãe!
– O que foi?
– É que eu estava aqui pensando.
– Pensando o quê? Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas.
– Vai, fala logo.
– Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu?
– Não, não entendi. Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar:
– Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo?
– Ai, meu Deus! Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca. Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela:
– Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu? E com um carinho:
– Foi minha mãe que me ensinou.

Flávio Carneiro, autor deste conto, é roteirista, ensaísta e professor de Literatura. Tem 11 livros publicados, dentre eles, A Distância das Coisas (Editora SM), vencedor do III Prêmio Barco a Vapor.
Ilustração: Eva Uviedo

Uma graça, espero que tenham gostado!!

*Beijinhos da Kaká

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